A ALIMPA
As mãos, hoje, não descobrem palavras
novas entre as sementes dos dias que passaram em litúrgica ausência. Talvez
atirando ao ar tais sementes consigamos ainda apanhar, no crivo da sorte,
aquelas que o vento não arraste para fora da eira onde decorre a tarefa da
alimpa. As que ficarem na joeira serão como trigo separado do joio e com elas
iremos fazer o pão que alimentará a boca e os olhos. E as mãos? Essas ajudarão
a levedar a massa, a tendê-la e a empoá-la, antes de a colocar na pá que a
levará ao forno. Assim vivem, também, as palavras, arrastadas que são pelos
caminhos da experiência, antes de as enformar e enfornar. Como em forno
comunitário, algumas levam o sinete particular do amassador, para que, depois
de escritas (ou cozidas), se saiba a quem pertencem.
Mas hoje está difícil às mãos encontrarem o
fermento que ritualize o acto da amassadura, ou que os olhos recordem o perfume
que se esvaiu por entre os dedos, como se fosse sal para o bom tempero da
massa. Talvez cobrindo a masseira com mantas e xailes tudo levede mais depressa
e, daqui a pouco, já tenhamos as palavras justas que agora nos faltam.
O pior é se deixamos descair o forno!
Augusto Mota, texto 79 de «A Geografia do Prazer», 1999
- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.
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