QUINTA SINFONIA
Beethoven excita tanto os sentidos como se
fosse uma tempestade de sons a fazer-nos repetir a palavra mágica de Charlotte:
Klopstock! E com os sons fortes
desta tormenta vem a saudade de caminhar para trás, muito para trás, ao
encontro dos dias que já passaram por nós e deixaram nos olhos as lágrimas que secaram na garganta muitas
palavras que, por isso mesmo, nunca foram pronunciadas. Poderíamos, então, ter
pensado em ode, ou em sublime, mas nem estas
conseguimos articular. Poderíamos ter oferecido ao silêncio palavras mais
prosaicas, mas nem essas as lágrimas conseguiram rejuvenescer.
Só estes sons que invadem a paisagem, e se
desdobram em ritmos violentos pelos caminhos que ainda temos de percorrer,
conseguem arrastar-nos para a nova aventura dos dias, como se o rio e o mar se
encontrassem na palma das mãos para, depois, fazerem do corpo o oceano imenso
que várias vezes sulcámos em direcção a latitudes mais a sul. Só estes sons, em
crescendo violentamente repetido, conseguem iluminar a rota de todas as viagens
empreendidas entre um silêncio e um olhar, entre uma sensação e outra
recordação.
Colma, Ryno, Alpin, Armin - dramáticas
personagens de um enredo de palavras e sentimentos à flor da pele do bardo
Ossian, ou ao sabor romântico de Macpherson! Míticas personagens a aguardar um
outro diário, mas, agora, feito de todas as memórias que vivem para lá das
emoções de Werther e que não se esgotam no existir dos dias, antes
rejuvenescem as palavras que, como sangue, serenamente percorrem as artérias do
corpo à espera de uma secreta redenção, talvez em Golma, o reino de Armin,
circundado pelas vagas da tristeza e da esperança.
Beethoven excita tanto os sentidos como se
fosse uma tempestade de sons a fazer-nos repetir a apoteose que Werther sentiu
ao ouvir a palavra mágica, enquanto o olhar de Charlotte
divagava pela paisagem além, atrás do eco da sua própria paixão. Klopstock!
- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.
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