quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A Geografia do Prazer



FOGO DE ARTIFÍCIO


Hoje há festa. Subo ao céu da noite agarrado à cana de um foguete de luzes e, de repente, sinto-me pairar sobre o arraial, envolto em flores de mil cores. É fogo este artifício que inunda os olhos e queima as mãos. É de artifício este fogo que desabrocha antecipadamente em nova Primavera,  enquanto pétalas de luz se desfazem  por entre os dedos, riscando a noite em todas as direcções.



É efémera esta viagem aos confins do tempo! Mas os olhos querem ir sempre mais além do que as mãos podem tocar. Por isso voamos sobre a noite da festa, entre foguetes e luzes. Por isso imaginamos o adro, lá em baixo, ornado de recordações e sabores. É o passado que vem até nós, agora na forma de arcos ornados de flores recortadas em papel de seda e cheiros típicos dos Invernos gelados, só aquecidos pelas fogueiras de rua e pelo café da púcara, assente à pressa com uma brasa viva e bem soprada. Chega-nos ainda o som das bandas de música nos dois coretos, a tocar ao desafio, enquanto pares de ocasião volteiam à vontade na estrada, até que algum automóvel vem interromper a dança. Que depois segue, ainda mais animada.



Tudo vemos aqui de cima. O tempo. O espaço. A memória. A festa de hoje.



O fogo de artifício continua a subir e o céu já está cinzento de tanto fumo. Vou descer agarrado a um dos minúsculos pára-quedas azuis que um foguete de luzes espalhou, agora mesmo,  ao redor da noite.





Tudo vimos lá de cima. O tempo. O espaço. A memória. A festa de sempre. 


Augusto Mota, texto 99 de «A Geografia do Prazer», 2000


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