FOGO DE ARTIFÍCIO
Hoje há festa. Subo ao céu da noite
agarrado à cana de um foguete de luzes e, de repente, sinto-me pairar sobre o
arraial, envolto em flores de mil cores. É fogo este artifício que inunda os
olhos e queima as mãos. É de artifício este fogo que desabrocha antecipadamente
em nova Primavera, enquanto pétalas de luz se desfazem por entre os dedos, riscando a noite em todas
as direcções.
É efémera esta viagem aos confins do
tempo! Mas os olhos querem ir sempre mais além do que as mãos podem tocar. Por
isso voamos sobre a noite da festa, entre foguetes e luzes. Por isso imaginamos
o adro, lá em baixo, ornado de recordações e sabores. É o passado que vem até
nós, agora na forma de arcos ornados de flores recortadas em papel de seda e
cheiros típicos dos Invernos gelados, só aquecidos pelas fogueiras de rua e
pelo café da púcara, assente à pressa com uma brasa viva e bem soprada.
Chega-nos ainda o som das bandas de música nos dois coretos, a tocar ao
desafio, enquanto pares de ocasião volteiam à vontade na estrada, até que algum
automóvel vem interromper a dança. Que depois segue, ainda mais animada.
Tudo vemos aqui de cima. O tempo. O
espaço. A memória. A festa de hoje.
O fogo de artifício continua a subir e o
céu já está cinzento de tanto fumo. Vou descer agarrado a um dos minúsculos
pára-quedas azuis que um foguete de luzes espalhou, agora mesmo, ao redor da noite.
Tudo vimos lá de cima. O tempo. O espaço.
A memória. A festa de sempre.
Augusto Mota, texto 99 de «A Geografia do Prazer», 2000
Sem comentários:
Enviar um comentário