A ROSA DA NOITE
Um botão de rosa vermelho escuro
-‘Príncipe Negro’- passeia pelos
caminhos do corpo em direcção ao
território da noite. As mãos saboreiam os perfumes novos das promessas que enfeitam
os prazeres do sonho e se cumprem em cada gesto ao desfolhar as suas pétalas
uma a uma para, depois, as atirar ao vento leste como recordação das grandes
viagens já empreendidas e, assim, melhor cruzarem o oceano em direcção às ilhas
silenciosas dos mares do sul.
Pelas praias nuas, junto aos palmares que
bordejam a maré-cheia, descansamos o
corpo e o sonho. Aí revivemos os tempos da Ria, quando o sono na areia, debaixo
de uma tamargueira, deixava molhar os pés
exaustos e as mãos se encantavam com o delírio da Primavera e do corpo. Também agora a água nos
acorda para o silêncio que vai de um
gesto a outro gesto, de uma palavra a outra palavra, de um olhar a outro olhar.
Só os desenhos na areia húmida significam a distância que vai das praias do
nosso litoral oeste aos longínquos arquipélagos do sul. A maré, porém, atinge
aí o seu máximo e uma onda de prazer desfaz o significado de todos os traços
que, como desejos, desaparecem ao sabor da água que recua e revolve a areia e o
sonho.
De sonho e de sal se enfeitam as rosas que
perfumam a noite. Vermelhas, ou amarelas, todas desesperam as mãos e cravam na
carne a aventura de um velejar à bolina entre as sensações que, como ilhas,
povoam o corpo e o espírito de todos os mares abaixo da linha do equador. Mas é
nessas ilhas perdidas entre os espinhos e o sonho que procuramos a justificação
dos dias. E em suas praias teimosamente desenhamos, na areia fina e dura da
vazante, os traços de grandes projectos de máquinas de construir cidades sob o
sal da memória, mesmo sabendo que, em breve, a preia-mar do equinócio apagará
os alicerces de tal futuro.
Restará o perfume da noite entre as mãos e
a madrugada.
Augusto Mota, texto 59 de «A Geografia do Prazer», 1999
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