sábado, 13 de julho de 2013

A Geografia do Prazer



A ROSA DA NOITE
 
Um botão de rosa vermelho escuro -‘Príncipe Negro’- passeia pelos  caminhos  do corpo em direcção ao território da noite. As mãos saboreiam os perfumes novos das promessas que enfeitam os prazeres do sonho e se cumprem em cada gesto ao desfolhar as suas pétalas uma a uma para, depois, as atirar ao vento leste como recordação das grandes viagens já empreendidas e, assim, melhor cruzarem o oceano em direcção às ilhas silenciosas dos mares do sul.

Pelas praias nuas, junto aos palmares que bordejam a maré-cheia, descansamos o corpo e o sonho. Aí revivemos os tempos da Ria, quando o sono na areia, debaixo de uma tamargueira, deixava molhar os pés exaustos e as mãos se encantavam com o delírio da  Primavera e do corpo. Também agora a água nos acorda para  o silêncio que vai de um gesto a outro gesto, de uma palavra a outra palavra, de um olhar a outro olhar. Só os desenhos na areia húmida significam a distância que vai das praias do nosso litoral oeste aos longínquos arquipélagos do sul. A maré, porém, atinge aí o seu máximo e uma onda de prazer desfaz o significado de todos os traços que, como desejos, desaparecem ao sabor da água que recua e revolve a areia e o sonho.

De sonho e de sal se enfeitam as rosas que perfumam a noite. Vermelhas, ou amarelas, todas desesperam as mãos e cravam na carne a aventura de um velejar à bolina entre as sensações que, como ilhas, povoam o corpo e o espírito de todos os mares abaixo da linha do equador. Mas é nessas ilhas perdidas entre os espinhos e o sonho que procuramos a justificação dos dias. E em suas praias teimosamente desenhamos, na areia fina e dura da vazante, os traços de grandes projectos de máquinas de construir cidades sob o sal da memória, mesmo sabendo que, em breve, a preia-mar do equinócio apagará os alicerces de tal futuro.

Restará o perfume da noite entre as mãos e a madrugada.


Augusto Mota, texto 59 de «A Geografia do Prazer», 1999
 

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