A DANÇA DAS HORAS
Debruçados sobre um horizonte de fim de
tarde aguardamos as palavras que virão animar o silêncio e a espera. Por entre
os fios que puxam o Sol para trás do palco onde dançam as horas do dia, vemos
letras dispersas na paisagem que assiste ao espectáculo dos sentidos. E ouvimos
o vento empurrar tais letras lá de muito
longe até nós para, assim, podermos juntá-las a nosso bel-prazer e saborear o
significado das novas palavras que as mãos tacteiam em busca de um perfume
secreto que acalme a dança das horas no palco das emoções.
À medida que o Sol se apaga para lá da
cortina de fundo, as estrelas recolhem os fios ainda quentes de sustentarem o
dia e convidam a Lua a entrar em
cena. As horas exercitam novo bailado e descem no palco os fios da noite. Da teia pendem os
cabos que seguram as palavras justas para o espectáculo das horas que, como
marionetas, dançam o nascer da Lua. E o perfume da noite traz o sono antes do
sonho e tudo adormece na paisagem. Esta, cansada, inclina-se e as letras que
sobraram da construção das palavras escorregam pela linha do horizonte abaixo e
fogem, apressadas, para o território-das-coisas-que-esperam. Onde desesperam.
É difícil este bailado das horas num
cenário de palavras escolhidas pelas mãos sobre as letras que caminham
insistentemente para nós. À noite, sobretudo, quando a paisagem se reduz a um
palco iluminado pelo luar das recordações e os actores agradecem, à boca de
cena, os aplausos que nunca tiveram. As horas esgotam o tempo real e ficamos,
apenas, com uma saudade imensa para viver o sonho que as palavras permitem,
antes de as letras deslizarem todas pela
fronteira do horizonte abaixo, a caminho da
inutilidade e do desespero.
Na vida real somos actores de um outro
destino onde não vemos os fios que movem os nossos passos e obrigam o nosso
querer. Só no sonho educamos os gestos do corpo e saboreamos o perfume do tempo
que não existe nas horas.
Augusto Mota, texto 57 de «A Geografia do Prazer», 1999
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