sábado, 10 de agosto de 2013

A Geografia do Prazer


AS ESTRELAS-DO-MAR

Que mares e que marés inundam as praias do nosso viver? São os braços que, cansados, se esforçam por nadar por entre as vagas de uma melodia celta a caminho da harpa das ilusões. São os dedos que, cansados, iludem o timbre das cordas num desenho novo dos sons. São os olhos que, cansados, já não lêem a partitura escrita nas pautas do vento. São os pés que, cansados, já não percorrem os trajectos do corpo.

Ouvimos, agora, os sons do vento leste como se uma harpa imitasse os longos e prolongados murmúrios das marés em noite de lua nova. E esperamos que o auge da maré cheia lance à praia as estrelas-do-mar que enfeitarão o firmamento de nossas mãos e as pautas de todas as melodias.
Com elas desafiaremos os esforços dos mares e das marés. Com elas em nossas mãos saberemos ler as partituras do vento e iluminaremos os trajectos do corpo, nadando entre vagas e ilusões.

Depois de cumprido o ritual de tal viver, as estrelas-do-mar serão, de novo, cadentes, para riscar a noite em direcção ao mar alto, onde se apagarão para repetir o ciclo das marés e do corpo.


Augusto Mota, texto 63 de «A Geografia do Prazer», 1999 

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