A RIBEIRA DAS FRAGAS
Do mirante vimos o revérbero do calor ao
bater nas fragas abruptas do outro lado do desfiladeiro.
Mas olhar lá para o fundo da garganta, ver a ribeira de Alge a saltar pequenas cachoeiras e a correr por entre a ramaria de árvores frondosas antecipou-nos a frescura das suas águas e o conforto da sombra de tanto amieiro, de tanto carvalho, de tanto freixo, de tanto loureiro. E descer lá abaixo, depois de tanto calor, foi descer a uma outra realidade, onde um subtil jogo de luz e sombras parecia criar uma ilustração tridimensional de um bocado do paraíso, com a água a correr por entre penedos e manchas de claridade projectadas por um sol da tarde, coado pela folhagem viva e agradecida daquela floresta primeva. Como numa catedral havia o silêncio respeitoso das pessoas a quererem gozar a sua paz e a paz dos outros. Só as levadas que outrora deram força às engrenagens das azenhas pareciam querer impor a música diluída da sua corrente, apressada em retomar o curso da ribeira.
Mas olhar lá para o fundo da garganta, ver a ribeira de Alge a saltar pequenas cachoeiras e a correr por entre a ramaria de árvores frondosas antecipou-nos a frescura das suas águas e o conforto da sombra de tanto amieiro, de tanto carvalho, de tanto freixo, de tanto loureiro. E descer lá abaixo, depois de tanto calor, foi descer a uma outra realidade, onde um subtil jogo de luz e sombras parecia criar uma ilustração tridimensional de um bocado do paraíso, com a água a correr por entre penedos e manchas de claridade projectadas por um sol da tarde, coado pela folhagem viva e agradecida daquela floresta primeva. Como numa catedral havia o silêncio respeitoso das pessoas a quererem gozar a sua paz e a paz dos outros. Só as levadas que outrora deram força às engrenagens das azenhas pareciam querer impor a música diluída da sua corrente, apressada em retomar o curso da ribeira.
Apetecia mergulhar os pés e as mãos
naquela água límpida e caminhar, caminhar por aquele líquido silêncio, até
encontrar o resto do paraíso, ou, então,
adormecer bem no
meio da ribeira,
em cima de
um penedo arredondado e batido pelo sol para, como
uma sereia, divagar pelos caminhos encantados das mãos, dos olhos e das
palavras. Construiríamos a noite em pleno dia e saudaríamos a vontade de ver as
árvores florescerem milhares de estrelas. Estrelas para iluminarem o rasto das
palavras que vamos deixando atrás de nós, como indício de uma peregrinação a
caminho de nada e de tudo. Talvez até construíssemos uma jangada que nos
levasse a outros continentes, perdidos
entre a memória e os dias claros.
Se aportássemos ao litoral da memória, em
dia bem claro, iríamos, por certo, a uma azenha trocar grão para, depois,
espoar muito bem a farinha e fazer pão fino que alimentasse o sonho e o
passado. Do farelo tenderíamos alimento
para os cães que estivessem de guarda ao nosso sossego, ou nos ajudassem a
pescar alguma truta mais distraída. De varas de eucalipto faríamos uma ponte de aventura suspensa sobre os
dias escuros, já que do outro lado há sempre lugar para novas esperanças. Ou,
então, atravessaríamos a ribeira a vau, se a corrente não fosse muito forte e
não houvesse o perigo de sermos arrastados para as margens longínquas do
passado. Uma vez do lado de lá regressaríamos à realidade de uma tarde quente
de Domingo.
Do mirante vimos
o revérbero da emoção ao bater nas fragas abruptas do outro lado da memória.
Augusto Mota, texto 69 de «A Geografia do Prazer», 1999
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