DORES
Que dores são estas que atravessam o corpo quando os olhos
moram em outras paisagens? Nem o sol, nem a chuva ajudam a um refrigério da
alma porque tudo o que se vê, se sente e se pressente tem a marca do
sofrimento. Que dores são estas que já começaram a invadir a paisagem dos olhos
e vêm ao encontro das horas que esperamos sentados à espera de vez e de ver os
secretos meandros do corpo, mas por dentro. As sensações agora são outras e
morrem nos horizontes ofuscados de uns olhos tristes. As dores têm sempre o
sortilégio de alterar o mundo que está ao alcance das mãos, contornando a
floresta mais próxima para acampar nas clareiras estéreis, onde o tojo arnal,
de grossos e ressequidos espinhos, fere a carne e a imaginação que dela se
alimenta, multiplicando as dores e abrindo as janelas da noite de par em par. O
sono, assim, foge para longínquas paragens e o sonho abandona o corpo junto aos
precipícios da madrugada.
Que dores são estas que atravessam os dias quando os olhos
moram em outras paisagens? Nem as flores, nem os frutos ajudam a um consolo da
alma porque tudo o que não se vê não se sente, nem se pressente e, assim, a
realidade imediata é pesada demais para umas mãos frágeis e trémulas. Por isso
colhemos só rosas-dos-caminhos como homenagem às grandes travessias interiores
e anteriores, esperando que todo o passado seja um bom prenúncio para a alegria
do corpo que, para ser feliz, deve acampar em camas de rosmaninho e
perpétua-das-areias, pelo meio dos pinhais soalheiros da beira-mar. Nestes leitos
perfumados buscaremos a paz para as dores que desanimam o corpo e turvam o
olhar. Antes de adormecer esfregaremos ainda as mãos nos ramos das
camarinheiras para sorver aquele aroma subtil a mar que tanto excita os olhos e
a boca. Pena que, agora, não tenham frutos, pois um punhado de camarinhas,
acabadas de ripar, seria um alento novo para o corpo dorido e para a alma
esmorecida.
Aguardaremos o Verão como promessa enfeitada de rosas-bravas
e frutos amarelos. Colheremos, então, camarinhas por entre as dunas do corpo,
enquanto o mar, no máximo da vazante, arrastará consigo as dores e os
desalentos de hoje.
Augusto Mota, texto 64 de «A Geografia do Prazer», 1999
Sem comentários:
Enviar um comentário