quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A Geografia do Prazer



DORES


Que dores são estas que atravessam o corpo quando os olhos moram em outras paisagens? Nem o sol, nem a chuva ajudam a um refrigério da alma porque tudo o que se vê, se sente e se pressente tem a marca do sofrimento. Que dores são estas que já começaram a invadir a paisagem dos olhos e vêm ao encontro das horas que esperamos sentados à espera de vez e de ver os secretos meandros do corpo, mas por dentro. As sensações agora são outras e morrem nos horizontes ofuscados de uns olhos tristes. As dores têm sempre o sortilégio de alterar o mundo que está ao alcance das mãos, contornando a floresta mais próxima para acampar nas clareiras estéreis, onde o tojo arnal, de grossos e ressequidos espinhos, fere a carne e a imaginação que dela se alimenta, multiplicando as dores e abrindo as janelas da noite de par em par. O sono, assim, foge para longínquas paragens e o sonho abandona o corpo junto aos precipícios da madrugada.


Que dores são estas que atravessam os dias quando os olhos moram em outras paisagens? Nem as flores, nem os frutos ajudam a um consolo da alma porque tudo o que não se vê não se sente, nem se pressente e, assim, a realidade imediata é pesada demais para umas mãos frágeis e trémulas. Por isso colhemos só rosas-dos-caminhos como homenagem às grandes travessias interiores e anteriores, esperando que todo o passado seja um bom prenúncio para a alegria do corpo que, para ser feliz, deve acampar em camas de rosmaninho e perpétua-das-areias, pelo meio dos pinhais soalheiros da beira-mar. Nestes leitos perfumados buscaremos a paz para as dores que desanimam o corpo e turvam o olhar. Antes de adormecer esfregaremos ainda as mãos nos ramos das camarinheiras para sorver aquele aroma subtil a mar que tanto excita os olhos e a boca. Pena que, agora, não tenham frutos, pois um punhado de camarinhas, acabadas de ripar, seria um alento novo para o corpo dorido e para a alma esmorecida.


Aguardaremos o Verão como promessa enfeitada de rosas-bravas e frutos amarelos. Colheremos, então, camarinhas por entre as dunas do corpo, enquanto o mar, no máximo da vazante, arrastará consigo as dores e os desalentos de hoje.


Augusto Mota, texto 64 de «A Geografia do Prazer», 1999

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