AS ORQUÍDEAS SELVAGENS
São orquídeas as flores selvagens que
brotam entre os dedos da madrugada, quando o horizonte avermelhado anuncia o
acordar de toda a natureza. Vão-se
apagando as luzes dos caminhos que levam à cidade e já chega até nós a azáfama
de um novo dia. É a cidade que desperta. As cores dos pomares e das leiras de
terra multiplicam-se pela paisagem além, até se confundirem com o verde dos
pinhais que desaparecem no horizonte em direcção ao mar.
São selvagens as
flores das orquídeas que emudecem as palavras que a boca tenta articular,
quando o espanto incita os sentidos e o desejo se deixa levar pelos atalhos
corajosamente perfumados de tomilhinha e sempre ladeados
de alecrim, rosmaninho e madressilva-caprina. Com tantos e
tão frescos aromas fizemos um cesto de ervas do monte e a elas juntámos uns
ramos de erva-abelha, sargaço e roselha. É o corpo que rejuvenesce. O odor
forte da terra dá outro ânimo às palavras apenas segredadas, até se confundirem
com os sentimentos que as mãos exprimem em seu lento trajecto de encontro ao
tempo que habita a nossa realidade.
Augusto Mota, texto 42 de «A Geografia do Prazer», 1999
- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.
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