quarta-feira, 12 de junho de 2013

A Geografia do Prazer


AS  ORQUÍDEAS  SELVAGENS

 São orquídeas selvagens as flores que desabrocham entre as mãos do entardecer, quando a névoa sobre os montes deixa adivinhar os caminhos secretos que, solitariamente, temos de percorrer através de nós. Ao longe já se acendem as luzes da cidade. Toda a paisagem em volta fica salpicada de amarelo. É a noite que cai. Os sons que chegam do vale, lá em baixo e muito ao longe, vão esmorecendo no meio da escuridão que, cada vez mais, aviva os sentidos todos e nos faz iniciar o percurso em direcção aos segredos da botânica.
 
São orquídeas as flores selvagens que brotam entre os dedos da madrugada, quando o horizonte avermelhado anuncia o acordar de toda a natureza.  Vão-se apagando as luzes dos caminhos que levam à cidade e já chega até nós a azáfama de um novo dia. É a cidade que desperta. As cores dos pomares e das leiras de terra multiplicam-se pela paisagem além, até se confundirem com o verde dos pinhais que desaparecem no horizonte em direcção ao mar.
 
São selvagens as flores das orquídeas que emudecem as palavras que a boca tenta articular, quando o espanto incita os sentidos e o desejo se deixa levar pelos atalhos corajosamente perfumados de tomilhinha e sempre ladeados de alecrim, rosmaninho e madressilva-caprina. Com tantos e tão frescos aromas fizemos um cesto de ervas do monte e a elas juntámos uns ramos de erva-abelha, sargaço e roselha. É o corpo que rejuvenesce. O odor forte da terra dá outro ânimo às palavras apenas segredadas, até se confundirem com os sentimentos que as mãos exprimem em seu lento trajecto de encontro ao tempo que habita a nossa realidade.      
 
 
Augusto Mota, texto 42 de «A Geografia do Prazer», 1999
 
- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.

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