MARINHEIROS DO SILÊNCIO
Sozinho, no porão dos livros, revejo a
eternidade içada como bandeira, por longos segundos, no mastro mais alto da
embarcação em que navego os mares e os dias à procura da ilha onde, uma vez,
também já aportei em tempo de lua nova. Este luar frio e seco de Inverno
ilumina tudo por onde passa e aquece, até, os caminhos do corpo que
serpenteiam, como as sensações, em torno dos cumes do prazer que a noite e o
silêncio secretamente sublimam. Marinheiros do silêncio somos todos quantos
buscamos a realidade nas paisagens do sonho, vivendo os dias que nos
ultrapassam a disfarçar as rotas da aventura.
Sozinho, evoco o sabor da viagem e de como
do cesto da gávea avistei, por entre a bruma do anoitecer, uma ilha perdida no
horizonte. Mudámos, por isso, de rota e, aproveitando o vento de feição, para
lá navegámos a todo o pano. Gritámos alto o achamento inesperado, pois a viagem
adivinhava-se mais longa e mais cheia de privações. A ilha, como um corpo adormecido, estendia-se
ao luar que, suavemente, ia desenhando os contornos da noite por entre montes e
vales. Mais perto avistámos os caminhos imprevistos que rodeavam os segredos da
noite. Tudo ficou bem nítido quando sentimos o prazer da terra firme e fizemos
escorrer por entre os dedos a areia fina da praia, como se as mãos fossem um
relógio que medisse os longos segundos da eternidade.
Sozinho, percorro, de memória, as pegadas
deixadas à beira-mar, longe da rebentação dos dias, e escondo debaixo da árvore
mais perfumada da noite o tesouro e o mapa da aventura. Assim ficará a salvo
dos piratas das recordações íntimas e dos temporais que varrem estes mares
interiores.
Um dia, sozinhos, acharemos a árvore que
alimenta e perfuma a arca onde guardámos
os longos segundos da eternidade e, com o mapa da aventura em nossas mãos,
vigiaremos o despertar subtil da madrugada.
Augusto Mota, texto 51 de «A Geografia do Prazer», 1999
- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.
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