sexta-feira, 28 de junho de 2013

A Geografia do Prazer


 MARINHEIROS DO SILÊNCIO

Sozinho, no porão dos livros, revejo a eternidade içada como bandeira, por longos segundos, no mastro mais alto da embarcação em que navego os mares e os dias à procura da ilha onde, uma vez, também já aportei em tempo de lua nova. Este luar frio e seco de Inverno ilumina tudo por onde passa e aquece, até, os caminhos do corpo que serpenteiam, como as sensações, em torno dos cumes do prazer que a noite e o silêncio secretamente sublimam. Marinheiros do silêncio somos todos quantos buscamos a realidade nas paisagens do sonho, vivendo os dias que nos ultrapassam a disfarçar as rotas da aventura.

Sozinho, evoco o sabor da viagem e de como do cesto da gávea avistei, por entre a bruma do anoitecer, uma ilha perdida no horizonte. Mudámos, por isso, de rota e, aproveitando o vento de feição, para lá navegámos a todo o pano. Gritámos alto o achamento inesperado, pois a viagem adivinhava-se mais longa e mais cheia de privações.  A ilha, como um corpo adormecido, estendia-se ao luar que, suavemente, ia desenhando os contornos da noite por entre montes e vales. Mais perto avistámos os caminhos imprevistos que rodeavam os segredos da noite. Tudo ficou bem nítido quando sentimos o prazer da terra firme e fizemos escorrer por entre os dedos a areia fina da praia, como se as mãos fossem um relógio que medisse os longos segundos da eternidade.

Sozinho, percorro, de memória, as pegadas deixadas à beira-mar, longe da rebentação dos dias, e escondo debaixo da árvore mais perfumada da noite o tesouro e o mapa da aventura. Assim ficará a salvo dos piratas das recordações íntimas e dos temporais que varrem estes mares interiores.

Um dia, sozinhos, acharemos a árvore que alimenta e perfuma a arca onde  guardámos os longos segundos da eternidade e, com o mapa da aventura em nossas mãos, vigiaremos o despertar subtil da madrugada. 


Augusto Mota, texto 51 de «A Geografia do Prazer», 1999

- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.

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