quinta-feira, 20 de junho de 2013

A Geografia do Prazer



UM  ALFOBRE  DE  ESTRELAS
  
O corpo está exausto  e as mãos não reconhecem as cores do arco-íris, nem o sabor do orvalho da madrugada. Por isso deslizam suavemente pelas recordações amenas da tarde e procuram enganar os olhos com gestos e palavras sem significado. É como se estivéssemos perdidos num deserto sem oásis no horizonte. Ou como se o oásis prometedor já não oferecesse tâmaras para alimentar a boca e água fresca para sagrar a caminhada pelas areias escaldantes das dunas. As caravanas já passam muito ao longe e nem o perfume das flores do deserto atrai os mercadores de sensações.

Agora só chega até nós o silêncio da noite e o brilho das estrelas que recolhemos, felizes, em nossas mãos e que iremos semear, em cama quente, como alfobre para a próxima Primavera. Esperaremos a melhor Lua para que a sementeira seja pródiga e milhentas constelações nasçam e incendeiem as noites futuras. E que no deslumbramento do universo saibamos adivinhar qual a nova Estrela Polar que ditará o nosso rumo. Daremos às mãos as coordenadas certas para que a aventura ultrapasse os territórios inóspitos onde soçobram os olhos e as vontades. E, definindo a latitude correcta, esperamos chegar ao arco-íris e lançar as pontes de uma nova aliança que saiba refrescar os lábios da madrugada com o orvalho da noite anterior.

As recordações da tarde, aliviadas agora do cansaço do corpo por uma voz que chegou de longe, de um lugar perdido algures no perfume do deserto, serão como frutos exóticos  colhidos junto aos olhos-d’água que alimentam as tamareiras e a frescura do oásis.   


Augusto Mota, texto 48 de «A Geografia do Prazer», 1999

- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.         

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