segunda-feira, 17 de junho de 2013

A Geografia do Prazer

 
A  ILHA  DAS  PRAIAS  VERDES

Pelo fim da tarde, antes de as nuvens trazerem uma chuva miudinha do lado do mar, avistámos, da costa alcantilada, a ilha onde moravam as nossas intenções. Aí queríamos descansar as mãos e os olhos à sombra de um pessegueiro e comer de seus  frutos amadurecidos pela aragem que agitava as nossas emoções. Evocámos, entretanto, os longos trajectos do dia e as flores douradas das acácias que iam bordando as bermas da estrada e nos guiaram a atenção para um trajecto novo e mais difícil. 
 
O percurso da manhã fora longo, pois cedo iniciáramos uma viagem fértil em melodias e palavras que ecoaram no silêncio da campina alentejana para, mais tarde, voltarem de novo às grandes rectas e às curvas perigosas que a estrada ia desenrolando à nossa frente. Tivemos, por isso, de redobrar a atenção ao desejo de chegar mais longe e mais depressa.
 
Tudo nas palavras ditas parecia ter outro sentido, agora desenhado vertiginosamente na lonjura das grandes extensões da paisagem, ou nos cumes enevoados da serra que nos separava do mar. Fomos sentindo em nossas mãos o esforço de guiar em terreno  tão acidentado e, por isso, saudámos a sombra da árvore e seus frutos, como prenúncio de um regresso feliz. Dissemos ainda promessas de outras viagens ao centro da ilha para, no cimo da sua fortaleza, hastearmos uma bandeira que adejasse perpetuamente aos ventos da vitória e servisse de referência à navegação costeira que iríamos empreender.
 
Largámos ferro já as nuvens vindas de noroeste apressavam o pôr do sol e traziam uma chuva fria e miúda que refrescou tudo à nossa volta e fez crescer por toda a ilha um manto de verdura salpicado de boninas, como se a neve se tivesse enganado na estação do ano. Navegámos à vista da costa e cedo aportámos a nossa esperança  nas praias verdes da ilha. Por lá andámos em busca de fruta nova que refrescasse o sabor da viagem, mas só vimos o mesmo pessegueiro e os mesmos  frutos que sonháramos para dar  sombra às mãos e descanso  aos olhos. Por lá ficámos até a ilusão acordar com a chuva a bater forte nas vidraças da imaginação. Espreitámos por entre as cortinas e a realidade estava mesmo do lado de fora, à espera do nosso regresso através de fortes bátegas e das luzes da noite.
 
A ilha ficou para trás, muito lá para trás. Na realidade e no nosso roteiro interior. Atravessamos agora quilómetros de ponte e o castelo espera-nos envolto em espesso nevoeiro, como se a cidade quisesse prolongar o mistério das  viagens feitas à vista da costa.
 
Augusto Mota, texto 47 de «A Geografia do Prazer», 1999 

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