A ILHA DAS PRAIAS VERDES
Pelo fim da tarde, antes de as nuvens
trazerem uma chuva miudinha do lado do mar, avistámos, da costa alcantilada, a
ilha onde moravam as nossas intenções. Aí queríamos descansar as mãos e os
olhos à sombra de um pessegueiro e comer de seus frutos amadurecidos pela aragem que agitava
as nossas emoções. Evocámos, entretanto, os longos trajectos do dia e as flores
douradas das acácias que iam bordando as bermas da
estrada e nos guiaram a atenção para um trajecto novo e mais difícil.
O percurso da manhã fora longo, pois cedo
iniciáramos uma viagem fértil em melodias e palavras que ecoaram no silêncio da
campina alentejana para, mais tarde, voltarem de novo às grandes rectas e às
curvas perigosas que a estrada ia desenrolando à nossa frente. Tivemos, por
isso, de redobrar a atenção ao desejo de chegar mais longe e mais depressa.
Tudo nas palavras ditas parecia ter outro
sentido, agora desenhado vertiginosamente na lonjura das grandes extensões da
paisagem, ou nos cumes enevoados da serra que nos separava do mar. Fomos
sentindo em nossas mãos o esforço de guiar em terreno tão acidentado e, por isso, saudámos a sombra
da árvore e seus frutos, como prenúncio de um regresso feliz. Dissemos ainda
promessas de outras viagens ao centro da ilha para, no cimo da sua fortaleza,
hastearmos uma bandeira que adejasse perpetuamente aos ventos da vitória e
servisse de referência à navegação costeira que iríamos empreender.
Largámos ferro já as nuvens
vindas de noroeste apressavam o pôr do sol e traziam uma chuva fria e miúda que
refrescou tudo à nossa volta e fez crescer por toda a ilha um manto de verdura
salpicado de boninas, como se a neve se tivesse
enganado na estação do ano. Navegámos à vista da costa e cedo aportámos a nossa
esperança nas praias verdes da ilha. Por
lá andámos em busca de fruta nova que refrescasse o sabor da viagem, mas só
vimos o mesmo pessegueiro e os mesmos
frutos que sonháramos para dar
sombra às mãos e descanso aos
olhos. Por lá ficámos até a ilusão acordar com a chuva a bater forte nas
vidraças da imaginação. Espreitámos por entre as cortinas e a realidade estava
mesmo do lado de fora, à espera do nosso regresso através de fortes bátegas e
das luzes da noite.
A ilha ficou para trás, muito lá para
trás. Na realidade e no nosso roteiro interior. Atravessamos agora quilómetros
de ponte e o castelo espera-nos envolto em espesso nevoeiro, como se a cidade
quisesse prolongar o mistério das
viagens feitas à vista da costa.
Augusto Mota, texto 47 de «A Geografia do Prazer», 1999
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