quinta-feira, 20 de junho de 2013

A Geografia do Prazer



 O  ARTIFÍCIO  DO  JARDINEIRO
 
A surpresa dos encontros ocasionais sob a ramagem da magnólia faz abrir mais suavemente o tom púrpura das suas flores, como se as mãos estivessem a acariciar as cores aveludadas de cada pétala à luz fria de um fim de tarde de Inverno. Mas é esta luz rasante que dá um relevo inesperado às copas das árvores, esculpindo um rendilhado de sensações que se escapam por entre os dedos e as flores, enquanto os olhos percorrem todo o jardim e os montes em volta. Sobre o relvado, debruado a escalónia recém-aparada, estende-se um tapete circular  de pétalas rosadas que as flores envelhecidas da magnólia foram deixando cair ao longo da semana. Sobre ele passeamos as emoções que atormentam as vigílias forçadas e recordamos as sestas primaveris debaixo desta árvore jovem, ou a mera contemplação do céu azul por entre um emaranhado de ramos, de folhas e de algumas flores.

Agora a luz já é diferente e  realça o corte que o artifício do jardineiro deu a todas as sebes. Sabe bem pousar as mãos na verdura macia e fazer subir até nós o odor forte dos arbustos acabados de cortar. Saboreamos, por isso, a delicadeza dos volumes que mãos hábeis desenharam neste espaço verde da esperança e aguardamos que a noite seja propícia a festejar as recordações do dia com um licor de ervas aromáticas.

O perfume destas ervas é uma outra maneira de esculpir sensações no terreno agreste dos sonhos sem memória. Por esta razão cultivamos mil aromas nos canteiros do nosso jardim e com eles surpreendemos os acasos felizes a qualquer hora do dia, mesmo que a magnólia já não incendeie o ar e ofereça, apenas, a sombra da sua folhagem para a sesta dos nossos olhos.

Depois de refeitos com tal descanso saberemos caminhar, mais felizes, pelos atalhos perfumados deste nosso jardim interior. 

Augusto Mota, texto 49 de «A Geografia do Prazer», 1999

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