quarta-feira, 17 de abril de 2013

A Geografia do Prazer

 
A  VOLÚPIA  DO  NOME
 
Gosto de ver a cidade de cima, do castelo que habito por querer e prazer.  As ruas, lá em baixo, são azáfama e vertigem. As avenidas estendem-se até aos jardins que povoamos de segredos e adiamentos. À noite, então, tudo parece subitamente diferente, com rios de luz desaguando nas praças onde apetece fazer navegar a imaginação e deitarmo-nos à deriva no tombadilho, olhando o mastro da mezena. No cesto da gávea o fiel Nikki, como bom cão rateiro, assiste à viagem e zela pelo nosso encantamento.
 
Enfunada a vela latina, partimos a caminho das sensações todas que as cidades oferecem aos turistas que buscam em cada canto a emoção adivinhada antes da partida. Pedra a pedra saboreiam os olhos o arrebatamento que transcende a boca. Esta apenas pronuncia o nome próprio de cada rua e repete-o, voluptuosamente, como se quisesse confirmar o roteiro turístico que o visitante desdobra contra o vento calmoso de um estio imaginado.
 
A cidade vista de cima ganha sempre outra vida. A vertigem é, assim, viagem e a ela nos entregamos como marinheiros experientes no manejo do cordame e do velame. No camarote de tal navio partilhamos o mesmo beliche e contamos o tempo a olhar as madeiras preciosas da sua arquitectura, agora realçada pela luz quente dos trópicos, onde aportamos pela primeira vez.
 
Deitada sobre a colina deste Outono tardio a cidade transcende-se e subjuga o visitante apressado. Futuros circuitos turísticos abrirão novas ruas e outras viagens no calendário de nossos afazeres.  
 
Augusto Mota, texto 27 de «A Geografia do Prazer», 1998      


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