A VOLÚPIA DO NOME
Gosto de ver a cidade de cima, do castelo
que habito por querer e prazer. As ruas,
lá em baixo, são azáfama e vertigem. As avenidas estendem-se até aos jardins
que povoamos de segredos e adiamentos. À noite, então, tudo parece subitamente
diferente, com rios de luz desaguando nas praças onde apetece fazer navegar a
imaginação e deitarmo-nos à deriva no tombadilho, olhando o mastro da mezena.
No cesto da gávea o fiel Nikki, como bom cão rateiro, assiste à viagem e
zela pelo nosso encantamento.
Enfunada a vela latina, partimos a caminho
das sensações todas que as cidades oferecem aos turistas que buscam em cada
canto a emoção adivinhada antes da partida. Pedra a pedra saboreiam os olhos o
arrebatamento que transcende a boca. Esta apenas pronuncia o nome próprio de
cada rua e repete-o, voluptuosamente, como se quisesse confirmar o roteiro
turístico que o visitante desdobra contra o vento calmoso de um estio
imaginado.
A cidade vista de cima ganha sempre outra
vida. A vertigem é, assim, viagem e a ela nos entregamos como marinheiros
experientes no manejo do cordame e do velame. No camarote de tal navio
partilhamos o mesmo beliche e contamos o tempo a olhar as madeiras preciosas da
sua arquitectura, agora realçada pela luz quente dos trópicos, onde aportamos
pela primeira vez.
Deitada sobre a
colina deste Outono tardio a cidade transcende-se e subjuga o visitante
apressado. Futuros circuitos turísticos abrirão novas ruas e outras viagens no
calendário de nossos afazeres.
Augusto Mota, texto 27 de «A Geografia do Prazer», 1998
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