domingo, 14 de abril de 2013

A Geografia do Prazer

 
A TRAVESSIA DA VAZANTE
 
De mãos dadas sobre o vértice do universo ouvíamos o Adágio em sol menor de Albinoni, enquanto as gaivotas, como flores aladas, desabrochavam nas ínsuas da vazante. A ponte passou por nós a caminho da foz e uma figueira frutificou entre a névoa da manhã e o sol nascente. Como mel, seus frutos adocicaram a paz que envolvia o espanto de nossa boca e eternizaram o descanso de tanta ave no meio do estuário florido de branco.
 
A este tempo de servidão e certidão confiámos o nosso trajecto e logo outras viagens impuseram novos desejos. Que apenas queriam saborear os figos e o mel que ia subindo pelas mãos acima. A elas entregámos o sabor da manhã, a motivação das aves, a travessia da vazante.
 
Uma ponte é sempre uma passagem para o outro lado das palavras que motivam a manhã, as aves e os frutos da vazante. O regresso à justiça dos dias é que torna penosa a significação das palavras que descansam nos livros, ou em nossas mãos.
 
Augusto Mota, texto 22 de «A Geografia do Prazer», 1998
 
- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.

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