segunda-feira, 15 de abril de 2013

A Geografia do Prazer

 
O  SEGREDO  DO  DESERTO
 
Hoje as palavras estão quase esgotadas quando procuramos outros sentidos para as mesmas emoções. As mãos, sendo o que são, serão para nós viagem, interiorização, construção, desconstrução. Construção e desconstrução de tudo o que habita em nós e que buscamos na memória recôndita das coisas que se atravessam à frente do tempo que passamos a viajar pelas estradas da madrugada, a caminho dos pontos cardeais.
 
Hoje é o norte que chama por nós. A velocidade das palavras ultrapassa, por vezes, o limite do sentido que damos às coisas e só novos significados serão o registo particular das nossas forças e fraquezas. Buscamos, então, entre o calor dos gestos percorridos em silêncio a satisfação de tal sinonímia:
 
                                                       o segredo do deserto é o perfume da rosa selvagem em secreta mistura com o aroma refrescante dos oásis, que são já um bálsamo para as longas viagens e para as mãos que constroem vertigens e conduzem velocidades pelas vias duplas das palavras e das emoções.    as ultrapassagens são cuidadosas para nunca se chegar antes de participar no festim das melodias que abreviam o percurso e satisfazem a paisagem que se desdobra até à portagem da cidade onde habita o deserto do nosso corpo.
    
                                                       aí se compram e vendem os aromas do outono que as caravanas trazem de todos os oásis do mundo.  aí se experimentam ilusões e satisfações no mercado das nossas vontades.
                                                
                                                        queremos, é certo, prolongar o sabor    de tal  jornada  e, por isso, como um beduíno avisado oferecemos aos gestos futuros a fragrância que, repentinamente, invadiu os pulsos e as mãos.    por tudo isto somos nómadas em busca de um oásis perpétuo, sem comércio de segredos, mesmo que seja de essências tão naturais como o desejo que viaja pelas promessas e pelos pomares onde colhemos romãs e sensações.     
 
Tudo se resume, afinal, ao segredo que o deserto de algumas palavras esconde por debaixo das sílabas que soletramos com o sorriso dos olhos e o júbilo dos gestos.
 
Assim, as viagens desaguam sempre na foz de um entendimento correcto das imagens que o norte e o sol poente trazem até nós, como se fôssemos aves marinhas pousadas nos rochedos à espera do descanso e da noite.
 
Augusto Mota, texto 26 de «A Geografia do Prazer», 1998
 
 - Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.


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