sábado, 20 de abril de 2013

A Geografia do Prazer


A  RELEITURA  DAS  PALAVRAS
 
Entre a noite e a noite, os sonhos, como barcos, desfazem-se contra a luz clara da madrugada. Mesmo assim vogamos ao sabor do prazer que as ondas trazem até à praia dos nossos corpos deitados no convés dos livros que soubemos ler para lenitivo da solidão que, tão cedo, invadiu o nosso destino. Aos livros oferecemos o ritual deste sacrifício e refazemos a leitura das mesmas páginas com outra experiência, mas com a mesma certeza de encontrar o justo critério para uma nova análise do que se escreve nas entrelinhas.
 
O que recriamos será, portanto, uma releitura das palavras que vivem e morrem e renascem por dom dos corpos que as alimentam e dos olhos que as desenham nas paisagens dos sonhos que bebemos, como néctar, em saudação da vida que circula pelas artérias do corpo e da cidade.
 
Serão vãs as promessas que não regamos com o prazer do vinho e do arroz que o acaso serve à mesa dos nossos sentidos. Por isso nos encanta a satisfação que a comida traz aos olhos e à boca e, pausadamente, saboreamos o tempo no recanto da memória. Os doces são sobremesa ideal para tal refeição passada no breve espaço entre a noite e a noite e, assim, regressamos ao princípio, com os barcos a desfazerem-se, como sonhos, contra a luz clara da madrugada.  
 
Augusto Mota, texto 29 de «A Geografia do Prazer», 1998   
 
- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.
 

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