A RELEITURA DAS PALAVRAS
Entre a noite e a noite, os sonhos, como
barcos, desfazem-se contra a luz clara da madrugada. Mesmo assim vogamos ao
sabor do prazer que as ondas trazem até à praia dos nossos corpos deitados no
convés dos livros que soubemos ler para lenitivo da solidão que, tão cedo,
invadiu o nosso destino. Aos livros oferecemos o ritual deste sacrifício e
refazemos a leitura das mesmas páginas com outra experiência, mas com a mesma
certeza de encontrar o justo critério para uma nova análise do que se escreve
nas entrelinhas.
O que recriamos será, portanto, uma
releitura das palavras que vivem e morrem e renascem por dom dos corpos que as
alimentam e dos olhos que as desenham nas paisagens dos sonhos que bebemos,
como néctar, em saudação da vida que circula pelas artérias do corpo e da
cidade.
Serão vãs as promessas que não regamos com
o prazer do vinho e do arroz que o acaso serve à mesa dos nossos sentidos. Por
isso nos encanta a satisfação que a comida traz aos olhos e à boca e,
pausadamente, saboreamos o tempo no recanto da memória. Os doces são sobremesa
ideal para tal refeição passada no breve espaço entre a noite e a noite e,
assim, regressamos ao princípio, com os barcos a desfazerem-se, como sonhos,
contra a luz clara da madrugada.
Augusto Mota, texto 29 de «A Geografia do Prazer», 1998
- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.
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