Tocata e fuga é a melodia que acompanha a viagem
através da manhã e das gaivotas que anunciam a
aproximação da cidade. Silenciosos atravessamos a ponte entre a paz e o azul
aveludado que aquece os gestos e os dedos que buscam o princípio e o fim do
horizonte. Aí se sente a respiração da cidade. Uma sensação de vazio sobe pelo
corpo todo e invade as palavras que já não conseguimos pronunciar. Uma calma
inesperada dilui-se no desejo que desagua no rio voluptuoso a caminho da foz e
dos navios mercantes que esperam notícias deste bloqueio sentimental.
São fardos pesados os segredos que se ocultam por
detrás de cada chamada à realidade que vivemos entre viagem e viagem, entre ser
e existir.
Existimos para viajar por nós dentro, como se o corpo
físico fosse a máscara alugada para o carnaval perpétuo que disfarça angústias
e alegrias.
Somos nós nos gestos que enfeitam as palavras pensadas
- e nunca pronunciadas - que acompanham as excursões sentimentais a caminho do
mar alto, onde emoções, sensações e recordações se afundam para, mais tarde,
dar à costa do prazer que, solitários, enfeitamos com as vozes distantes que os
fios e a memória trazem até nós. Então revivemos o percurso vertiginoso das
viagens oferecidas aos sentidos-todos que nos possuem e nos forçam a desenhar,
nos mapas da imaginação, os roteiros certos que queremos percorrer a caminho de
nós.
São difíceis estas viagens onde queremos ser para além
de existir!
O silêncio, em sua eloquência, não compromete nem os
gestos, nem os olhares que se dirigem sempre para além do horizonte e da ponte
que agora atravessamos a caminho do cais onde aportamos as nossas intenções.
Augusto Mota, texto 32 de «A Geografia do Prazer», 1998
- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.
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