sexta-feira, 26 de abril de 2013

A Geografia do Prazer

 
AS  EXCURSÕES  SENTIMENTAIS
 
Tocata e fuga é a melodia que acompanha a viagem através da manhã e das gaivotas que anunciam a aproximação da cidade. Silenciosos atravessamos a ponte entre a paz e o azul aveludado que aquece os gestos e os dedos que buscam o princípio e o fim do horizonte. Aí se sente a respiração da cidade. Uma sensação de vazio sobe pelo corpo todo e invade as palavras que já não conseguimos pronunciar. Uma calma inesperada dilui-se no desejo que desagua no rio voluptuoso a caminho da foz e dos navios mercantes que esperam notícias deste bloqueio sentimental.
 
São fardos pesados os segredos que se ocultam por detrás de cada chamada à realidade que vivemos entre viagem e viagem, entre ser e existir.
 
Existimos para viajar por nós dentro, como se o corpo físico fosse a máscara alugada para o carnaval perpétuo que disfarça angústias e alegrias.
Somos nós nos gestos que enfeitam as palavras pensadas - e nunca pronunciadas - que acompanham as excursões sentimentais a caminho do mar alto, onde emoções, sensações e recordações se afundam para, mais tarde, dar à costa do prazer que, solitários, enfeitamos com as vozes distantes que os fios e a memória trazem até nós. Então revivemos o percurso vertiginoso das viagens oferecidas aos sentidos-todos que nos possuem e nos forçam a desenhar, nos mapas da imaginação, os roteiros certos que queremos percorrer a caminho de nós.                                         
 
São difíceis estas viagens onde queremos ser para além de existir!
 
O silêncio, em sua eloquência, não compromete nem os gestos, nem os olhares que se dirigem sempre para além do horizonte e da ponte que agora atravessamos a caminho do cais onde aportamos as nossas intenções.
 
Augusto Mota, texto 32 de «A Geografia do Prazer», 1998
 
- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.


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