UMA MÃO CHEIA DE ÁRVORES
Do cimo deste monte avista-se a estrada larga das boas
recordações que enxameiam a memória e se estendem pelo vale além, por entre os
povoados que marginam as fontes do Lis e por entre a neblina que anuncia um fim
de tarde de Inverno e sol. O vento refresca os olhos e a cara, como se quisesse
acordar-nos para todo um passado onde os sabores e os cheiros se misturam com a
infância e revivem, agora, no prazer gostoso das palavras, do vinho, dos
enchidos recordados e de outros realmente saboreados.
Saber ver a natureza também é isto de saborear o gosto
das palavras, apreciar o tempero dos enchidos e avaliar o corpo do vinho, tudo
à mistura com as vivências irrequietas dos tempos em que o nossos dias corriam
ao sabor das estações do ano e da cor das flores que salpicavam de amarelo as
colinas viradas a poente.
Tudo hoje é diferente, embora tudo seja a mesma coisa.
Olhamos e vemos o mundo como se já nos estivéssemos a despedir dele. Por isso
as recordações de infância invadem as palavras e os comeres. Com elas passeamos
pelos montes e pelos vales deste território que definimos com os gestos que
desenham o círculo do horizonte à nossa
volta.
Depois de amanhã plantaremos, mesmo por entre as
pedras agrestes do monte, uma mão cheia de árvores, das que melhor sombra
possam oferecer aos frutos que hão-de antecipar outros futuros!
Augusto Mota, texto 35 de «A Geografia do Prazer», 1999
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