sexta-feira, 26 de abril de 2013

A Geografia do Prazer

 
 UMA  MÃO  CHEIA  DE  ÁRVORES
                                                                                            
Do cimo deste monte avista-se a estrada larga das boas recordações que enxameiam a memória e se estendem pelo vale além, por entre os povoados que marginam as fontes do Lis e por entre a neblina que anuncia um fim de tarde de Inverno e sol. O vento refresca os olhos e a cara, como se quisesse acordar-nos para todo um passado onde os sabores e os cheiros se misturam com a infância e revivem, agora, no prazer gostoso das palavras, do vinho, dos enchidos recordados e de outros realmente saboreados.    
       
Saber ver a natureza também é isto de saborear o gosto das palavras, apreciar o tempero dos enchidos e avaliar o corpo do vinho, tudo à mistura com as vivências irrequietas dos tempos em que o nossos dias corriam ao sabor das estações do ano e da cor das flores que salpicavam de amarelo as colinas viradas a poente.
 
Tudo hoje é diferente, embora tudo seja a mesma coisa. Olhamos e vemos o mundo como se já nos estivéssemos a despedir dele. Por isso as recordações de infância invadem as palavras e os comeres. Com elas passeamos pelos montes e pelos vales deste território que definimos com os gestos que desenham o círculo do horizonte à nossa  volta.
     
Depois de amanhã plantaremos, mesmo por entre as pedras agrestes do monte, uma mão cheia de árvores, das que melhor sombra possam oferecer aos frutos que hão-de antecipar outros futuros!
 
 
Augusto Mota, texto 35 de «A Geografia do Prazer», 1999

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