quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

LORO SAE

 
 
 
Augusto Mota, «Sol Nascente / Loro Sae», serigrafia, 44 x 33 cm, 1999
 
 
Abre-se a terra para homenagear um povo que habitou as suas entranhas, enquanto aguardava que, um dia, o sol como um galo de luta, anunciasse a vitória perpétua dos seus sonhos.
 
Abre-se, depois, a terra para erguer um monumento à memória dos que já não viram o futuro, mas onde as cruzes, em honra do seu sacrifício, serão memória e fundamento de uma nova cidade.
 
Abre-se, também, a terra para marcar uma fronteira visível entre essa memória das muitas vidas anónimas perdidas e a perfídia das resoluções urgentes todos os dias convenientemente adiadas.
 
Abre-se, ainda, a terra para afastar, de vez, do sol nascente, as palavras ardilosas e os sorrisos dissimulados que, como um verme astuto e peçonhento, rastejam, sem rosto, pelos caminhos cobardes da traição cruel e impiedosa.
 
E a terra abre-se, finalmente, para deixar o engenho das mãos e das máquinas limpar as sombras negras que o fogo do ódio projectou na paisagem clara e nas ruas férteis de tanta esperança. Que os nós que alimentam as cordas dessa esperança sejam bem firmes, para aguentarem os ventos de tanta adversidade. E que nas praias do desespero de ontem arribem, pela maré cheia, os barcos da boa-nova e da abundância. Nos porões da solidariedade hão-de levar, também, fado e saudade. Para cantar o destino de um país que terá de carregar, para sempre, em seu nome, como letra inicial, a cruz dolorosa da sua construção.
 
Augusto Mota, in «Juntos por Loro Sae», Leiria 1999, Edição Jorlis, p.52.
 

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