TEMPO DE LAVRAR
Junto às muralhas da cidade antiga
acampámos as sensações que invadiram a noite de lua cheia. Como turistas
avisados percorremos as ruas todas dos bairros periféricos e saudámos com
gestos amigos a azáfama que agitava o mercado de levante. Em cada tenda
saboreámos os doces regionais e provámos quase todas as iguarias da gastronomia
local. Experimentámos roupa nova e divertimo-nos nas barracas de jogos
inofensivos. Comprámos flores brancas para entrelaçar no vento frio que agitava
os cabelos e gretava os lábios. Nos olhos cansados de tanto alvoroço guardámos
as emoções que os dedos foram lavrando no campo enluarado, como se estivessem a
bordar um precioso bragal.
Agora, sentados nas largas avenidas do
centro da cidade, descansamos do tempo da lavra e aguardamos uma safra
abundante a justificar o zelo que soubemos repartir pelo terreno arável da
imaginação e pelo corpo aberto das sensações. A cidade, vista de dentro e de
perto, parece aliviar-nos do esforço e dos anos que caminham sempre ao nosso
lado. Por isso é bom olhar os olhos que sabem olhar e aquecer as mãos nos gestos que sabem desculpar.
A noite fria
dilui-se no brilho dos olhos que reflectem a lua cheia e juntos atravessamos a
barbacã a caminho da realidade.
Augusto Mota, texto 37 de «A Geografia do Prazer», 1999
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