São invisíveis as cidades que criamos à
volta de nós mesmos e dos passos que damos em direcção aos pontos cardeais de
uma secreta navegação interior. A nosso bel-prazer lançamos os alicerces de
novos horizontes e, serenamente, construímos ruas e avenidas que correm a nosso
lado, mas que, por vezes, nos ultrapassam sempre que é preciso adiantar as
pontes de que nos servimos para alcançar o outro lado das palavras.
No seio desta cidade repousa a glória das
viagens tantas vezes empreendidas ao sabor de um acaso que disfarça as rotas
íntimas da solidão. Por vezes é nas mãos frias que aquecemos o peito abandonado
ao ritmo apressado da respiração. E com elas modelamos os edifícios que
bordejam as ruas e avenidas da nossa construção. E com elas, em jeito de
concha, sorvemos a água das fontes que ornamentam as praças da nossa liberdade.
E ainda com elas, agora aquecidas de tanto caminhar pelas sensações adentro,
saboreamos os frutos das árvores que soubemos ir plantando ao longo da nossa
imaginação.
É nos frutos da liberdade que ousamos descansar os olhos doridos do
traçado metódico das palavras que se
atrevem a significar o impossível. As cidades possíveis, essas, continuarão a
ser invisíveis, mesmo que as pontes das palavras nos levem ao outro lado das emoções.
Augusto Mota, texto 38 de «A Geografia do Prazer», 1999
- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.
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