quinta-feira, 9 de maio de 2013

A Geografia do Prazer


 AS  CIDADES  INVISÍVEIS
 
São invisíveis as cidades que criamos à volta de nós mesmos e dos passos que damos em direcção aos pontos cardeais de uma secreta navegação interior. A nosso bel-prazer lançamos os alicerces de novos horizontes e, serenamente, construímos ruas e avenidas que correm a nosso lado, mas que, por vezes, nos ultrapassam sempre que é preciso adiantar as pontes de que nos servimos para alcançar o outro lado das palavras.
 
No seio desta cidade repousa a glória das viagens tantas vezes empreendidas ao sabor de um acaso que disfarça as rotas íntimas da solidão. Por vezes é nas mãos frias que aquecemos o peito abandonado ao ritmo apressado da respiração. E com elas modelamos os edifícios que bordejam as ruas e avenidas da nossa construção. E com elas, em jeito de concha, sorvemos a água das fontes que ornamentam as praças da nossa liberdade. E ainda com elas, agora aquecidas de tanto caminhar pelas sensações adentro, saboreamos os frutos das árvores que soubemos ir plantando ao longo da nossa imaginação.
 
É nos frutos da liberdade  que ousamos descansar os olhos doridos do traçado  metódico das palavras que se atrevem a significar o impossível. As cidades possíveis, essas, continuarão a ser invisíveis, mesmo que as pontes das palavras nos levem ao  outro lado das emoções. 
 
Augusto Mota, texto 38 de «A Geografia do Prazer», 1999  
 
-  Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.   
  

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