A CIRCUM-NAVEGAÇÃO DOS DIAS
Cumpriu-se o mar quarenta anos após a
descoberta de Metáfora! Era à tardinha que o sol poente destacava no mar
chão a cidadela povoada de imaginação, memórias e ilusões. Não habitavam lá
gestos, nem olhares, e só aves marinhas recordavam o tempo vazio de tudo, o
vaguear entre mim e os anseios que se desfaziam como vagas contra os molhes da
barra.
Cansava tal viajar pelas ruas de uma solidão que ia esfriando os trababalhos e os dias...
Mas hoje cumpriu-se o mar e atravessámos a
ponte nova como quem sobe o arco-íris a caminho de nossas mãos e da aliança que
refresca a saudade de tudo. Lá de cima avistámos um passado sofrido entre o pôr
do sol e o nevoeiro espesso que assustava os barcos quando a ronca nos entrava
pela manhã dentro. Lá de cima avistámos o presente de hoje que já não nos deixa
viajar pelas cores além e se fica pelo reflexo dos peixes e das aves marinhas
nuns olhos onde se espelha, tão bem, a impossibilidade de navegar para lá da
neblina que esconde a saída da barra e anuncia o perigo aos mareantes.
O porto de abrigo somos nós quando
aportamos às justas emoções que nos preenchem os dias e o sabor das noites. Os
barcos serão as sensações que navegam o corpo e se escapam pelos olhos rumo ao
infinito de nós. O som cavo que previne a viagem do nevoeiro, ou da névoa
espessa da manhã, será o nosso guia a caminho de um país distante onde
habitamos os minutos que esperam sempre por nós, como se o tempo fabricasse o
espaço de nossos desejos.
O arco-da-velha-aliança voltou a ser a ponte de regresso aos nossos afazeres de hoje. Quarenta anos depois cumpriu-se o mar em terna navegação!
Agusto Mota, texto 14 de «A Geografia do Prazer», 1998
- A Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.
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