quarta-feira, 6 de março de 2013

A Geografia do Prazer


OS DILEMAS DA GEOMETRIA
 
Mesmo que seja só na capa do poema dramático O Amor Vigilante*, erguer as mãos e segurar as asas da esperança é vigiar e vingar a paixão que incendeia a cidade à nossa volta e, ao mesmo tempo, é caminhar pelas ruas sonhadas, mas nunca prometidas, dos bairros da noite. Tacteamos o caminho como se a lua cheia estivesse escondida pelas nuvens espessas que vestem os gestos deste progredir em direcção ao coração da cidade.

Tal ânsia de chegar a tempo ao festim das emoções é ordálio que compensa o rito, o sacrifício e o corpo. As sensações que afloram aos olhos são já o eco da resignação para tão grande esforço. O vértice desta caminhada é o ponto de encontro das rectas que amparam os nossos desejos e os mantêm verticais.

Tudo fica, subitamente, aquém e além de tal ângulo. Agudo e obtuso será o tempo da oração que vivemos em cada segundo do nosso rosário. A exacta definição geométrica desta meditação alimenta-se do espaço que acompanha os segredos do tempo.

A cada hora segredamos aos olhos o que ninguém quer ver. A cada dia segredamos aos outros o que nós não podemos ser.

Os dilemas da geometria  são este balançar contínuo entre os segredos dos olhos e a amizade dos dias.
  
Augusto Mota, texto 17 de «A Geografia do Prazer», 1998
 
 
- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.
 
* Vítor Matos e Sá, O Amor Vigilante, Livraria Almedina, Coimbra, 1962. Capa de minha autoria.
 

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