OS DILEMAS DA GEOMETRIA
Mesmo que seja só na capa do poema
dramático O Amor Vigilante*, erguer as mãos e segurar as asas da
esperança é vigiar e vingar a paixão que incendeia a cidade à nossa volta e, ao
mesmo tempo, é caminhar pelas ruas sonhadas, mas nunca prometidas, dos bairros
da noite. Tacteamos o caminho como se a lua cheia estivesse escondida pelas
nuvens espessas que vestem os gestos deste progredir em direcção ao coração da
cidade.
Tal ânsia de chegar a tempo ao festim das
emoções é ordálio que compensa o rito, o sacrifício e o corpo. As sensações que
afloram aos olhos são já o eco da resignação para tão grande esforço. O vértice
desta caminhada é o ponto de encontro das rectas que amparam os nossos desejos
e os mantêm verticais.
Tudo fica, subitamente, aquém e além de
tal ângulo. Agudo e obtuso será o tempo da oração que vivemos em cada segundo
do nosso rosário. A exacta definição geométrica desta meditação alimenta-se do
espaço que acompanha os segredos do tempo.
A cada hora segredamos aos olhos o que
ninguém quer ver. A cada dia segredamos aos outros o que nós não podemos ser.
Os dilemas da geometria são este balançar contínuo entre os segredos dos olhos e a amizade dos dias.
Augusto Mota, texto 17 de «A Geografia do Prazer», 1998
- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.
* Vítor Matos e Sá, O Amor Vigilante, Livraria Almedina, Coimbra, 1962. Capa de minha autoria.
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