domingo, 3 de março de 2013

A Geografia do Prazer


O   AZIMUTE  DAS  SENSAÇÕES

Terna navegação esta que precisa de gestos experientes para rodar o leme e virar a bombordo, como se o azimute não indicasse o caminho mais recto para os olhos que esperam e para a boca que acaricia o horizonte. Mais do que experientes são sábios tais gestos, porque tudo se volve em vagas e espuma que se desfaz nas sensações do fim da manhã.
 
É vertical este prazer de navegar para fora do porto de abrigo, agora que sentimos a salvação em nossas mãos, quando a viagem apressa o desejo de chegar. Já contemplamos o país de exílio ao longe, como uma ilha que se oferecesse ao trabalho de um imigrante clandestino. Aí aportamos após longa navegação costeira. E tudo é outra coisa, ou a mesma coisa, mas vista de outro modo.      
 
Assim ficamos hesitantes entre a amplitude do arco de círculo do horizonte e o ponto cardeal que orienta este marítimo caminhar. Estão suados os olhos da espuma que se evolve da restinga e o nosso caminhar torna-se difícil contra o vento leste. São nítidas as pegadas que deixamos no areal, como se quiséssemos marcar o caminho para um regresso mais fácil. O sorriso e o prazer ajudam esta viagem contra o vento e a maré-cheia de sensações. Espraia-se o olhar pela água onde chapinham as emoções das crianças que somos momentaneamente e lavamos a cara para refrescar os gestos oferecidos à sagração dos segundos que ritualizam o nosso corpo.
 
Caminhamos ainda mais para oeste, vencendo o vento e a distância da preia-mar. Chegados ao destino que ansiámos, redobrámos esforços e fizemos a viagem terminar ali mesmo, no justo espaço onde quisemos habitar o nosso exílio.
 
Uma vez mais se cumpriu o mar, agora sem pontes, já que ambas as margens nos pertenciam por direito de opção e sentido de rumo. A bússola de nossos afazeres é que apontava outro ponto cardeal.
 
Augusto Mota, texto 15 de «A Geografia do Prazer», 1998 

- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.

 

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