O AZIMUTE DAS SENSAÇÕES
Terna navegação esta que precisa de gestos
experientes para rodar o leme e virar a bombordo, como se o azimute não
indicasse o caminho mais recto para os olhos que esperam e para a boca que
acaricia o horizonte. Mais do que experientes são sábios tais gestos, porque
tudo se volve em vagas e espuma que se desfaz nas sensações do fim da manhã.
É vertical este prazer de navegar para
fora do porto de abrigo, agora que sentimos a salvação em nossas mãos, quando a
viagem apressa o desejo de chegar. Já contemplamos o país de exílio ao longe,
como uma ilha que se oferecesse ao trabalho de um imigrante clandestino. Aí
aportamos após longa navegação costeira. E tudo é outra coisa, ou a mesma
coisa, mas vista de outro modo.
Assim ficamos hesitantes entre a amplitude
do arco de círculo do horizonte e o ponto cardeal que orienta este marítimo
caminhar. Estão suados os olhos da espuma que se evolve da restinga e o nosso
caminhar torna-se difícil contra o vento leste. São nítidas as pegadas que
deixamos no areal, como se quiséssemos marcar o caminho para um regresso mais
fácil. O sorriso e o prazer ajudam esta viagem contra o vento e a maré-cheia de
sensações. Espraia-se o olhar pela água onde chapinham as emoções das crianças
que somos momentaneamente e lavamos a cara para refrescar os gestos oferecidos
à sagração dos segundos que ritualizam o nosso corpo.
Caminhamos ainda mais para oeste, vencendo
o vento e a distância da preia-mar. Chegados ao destino que ansiámos, redobrámos
esforços e fizemos a viagem terminar ali mesmo, no justo espaço onde quisemos
habitar o nosso exílio.
Uma vez mais se cumpriu o mar, agora sem
pontes, já que ambas as margens nos pertenciam por direito de opção e sentido
de rumo. A bússola de nossos afazeres é que apontava outro ponto cardeal.
Augusto Mota, texto 15 de «A Geografia do Prazer», 1998
- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.
- Exaltação do corpo em viagem pelos continentes da memória.
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