O POMAR DAS INTENÇÕES
Esta febre deve vir do esforço e da luta
que o sonho nos impõe. A paisagem desdobra-se à nossa volta e a vegetação fere
as imagens com os seus espinhos ameaçadores e quase esvazia o sentido das
coisas para lhes dar outro sentido. Velhas palavras vão arrastar novos
significados como se tudo fosse, só agora, descoberto e saboreado. Este
território das palavras parece falso quando com elas queremos assumir o domínio
de nós por via de subtil dádiva de outrem.
Algures no descampado que a febre trouxe
até mim vejo erguerem-se intenções como árvores em pomar carregado de frutos
maduros e o apetite avassala as mãos para novas e delicadas colheitas. Mas
quando os gestos já antecipavam o prazer e saudavam tão prometedora safra tudo
se esvaiu entre os dedos e o sonho. Ficou o deserto amargo do nada e a memória
do que a realidade nos vai permitindo.
É este vaguear entre os caminhos do sonho
e a memória real das coisas saboreadas que ajuda a acalmar a febre dos dias que
ainda vêm ao nosso encontro.
Augusto Mota, texto 18 de «A Geografia do Prazer», 1998
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