SEMÂNTICA DO ROSA
Parece que o rosa é uma cor de
Domingo. O
Domingo vem sempre floreado deste tom feminino, talvez para disfarce de
angústias e de outros e vários problemas semanais. O rosa parece eliminar, pela
sua suavidade, a aspereza que transportamos em nosso mundo interior sem
calendário de Domingo. Oferece-se-lhe praia e missa ao Domingo. É, assim, uma
cor de distâncias marítimas e religiosas. Mas ao Domingo. Nos outros dias estas
distâncias têm cores mais próprias e, até, mais sedutoras. São sempre, e só,
para uso muito pessoal. Nada têm que ver com as distâncias dominicais, sendo,
por natureza, violentas e com o movimento dos sentimentos actualizados.
Esbatem-se até à transparência só em casos de nítida falha de personalidade.
Passam ainda, por rigor de lei física, de uma para outra cor com a mesma
violência com que se manifestam no apogeu da vibração.
Mas estas últimas são cores de sentimento, não de
acção externa. Por isso, mesmo que se disfarcem com roupagens visíveis,
permanecerão actuantes no tal mundo sem calendário de Domingo. São
sentimentos-cor, mais do que cores de sentimentos. Não são pautáveis senão em
casos muito particulares e, mesmo nestes, carecem de actualização. Dependem do
tempo e do espaço psicológico.
Eternizar uma coloração interior é comprometer um
segredo do maravilhoso com roupagens que acabam sempre por cair no floreado tom
feminino de uso dominical. É uma outra forma de morrer para a descoberta do
novo em cada dia e uma outra forma cómoda de viver para a descoberta do sempre
igual em todos os dias.
De qualquer modo é uma morte
por estagnação de vivências.
Augusto Mota, texto 5 de «O Artifício da Loucura», 1962 a 1964
- Discorrências sobre o nosso próprio limite.
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