quarta-feira, 6 de março de 2013

A Geografia do Prazer


AS    PRIMÍCIAS  DOS  GESTOS
 
Ao som do adágio de sempre revisitei a árvore dos sonhos e com ela percorri os caminhos insuspeitos da nossa satisfação. Colhi os frutos todos que o vento murmurou às mãos inábeis e, avidamente, sorvi o sumo e as sementes que já começavam a germinar. Pelas mãos escorria a pressa de tanto prazer. Pelos olhos se dilatava a vontade de tanto querer. E obedecer ao que se pede, mesmo só em murmúrio, é, em tais circunstâncias, um outro prazer, uma submissão do nosso querer ao querer de outrem. Pode, até, ser árvore, ou ave, mas a melodia que percorre a paisagem tudo humaniza, tudo faz reverter em dádiva que, em nossas mãos, frutificará de novo em perpétuo ciclo.

Os pomares do Outono são os que oferecem os frutos mais exóticos, importados do fundo da memória e servidos na melhor baixela do nosso desejo, como se de um culto divino se tratasse. Deste modo é difícil a boca ultrapassar a riqueza de paladar tão exigente, ficando-se o deleite nos olhos que guardam os estímulos pelo caminhos sinuosos do presente. Sábia histologia esta que explica o correcto funcionamento dos nossos prazeres cerebrais, diluídos numa teia imensa de miríades de células nervosas e seus prolongamentos!

Assim nos vamos prolongando em estímulos e respostas que incentivam cada vez mais estímulos, até que os frutos, as sementes e a germinação de todas as árvores seja possível em qualquer espaço deste Novembro outonal.  
 
Em que ruas plantaremos tão frondosa vegetação? Favoreceremos, por certo, aquelas que requisitarem o nosso saber e a nossa intenção. Nelas crescerão as primícias de nossos gestos e cada ciclo vegetativo cumprirá as vantagens do querer e da memória do desejo.

O que se deseja realizar-se-á nos gestos anunciados e pronunciados no silêncio que identifica todos os nossos propósitos.
  
Augusto Mota, texto 20 de «A Geografia do Prazer», 1998

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