AS PRIMÍCIAS DOS GESTOS
Ao som do adágio de sempre revisitei a
árvore dos sonhos e com ela percorri os caminhos insuspeitos da nossa
satisfação. Colhi os frutos todos que o vento murmurou às mãos inábeis e,
avidamente, sorvi o sumo e as sementes que já começavam a germinar. Pelas mãos
escorria a pressa de tanto prazer. Pelos olhos se dilatava a vontade de tanto
querer. E obedecer ao que se pede, mesmo só em murmúrio, é, em tais
circunstâncias, um outro prazer, uma submissão do nosso querer ao querer de
outrem. Pode, até, ser árvore, ou ave, mas a melodia que percorre a paisagem
tudo humaniza, tudo faz reverter em dádiva que, em nossas mãos, frutificará de
novo em perpétuo ciclo.
Os pomares do Outono são os que oferecem
os frutos mais exóticos, importados do fundo da memória e servidos na melhor
baixela do nosso desejo, como se de um culto divino se tratasse. Deste modo é
difícil a boca ultrapassar a riqueza de paladar tão exigente, ficando-se o
deleite nos olhos que guardam os estímulos pelo caminhos sinuosos do presente.
Sábia histologia esta que explica o correcto funcionamento dos nossos prazeres
cerebrais, diluídos numa teia imensa de miríades de células nervosas e seus
prolongamentos!
Assim nos vamos prolongando em estímulos e
respostas que incentivam cada vez mais estímulos, até que os frutos, as
sementes e a germinação de todas as árvores seja possível em qualquer espaço
deste Novembro outonal.
Em que ruas plantaremos tão frondosa
vegetação? Favoreceremos, por certo, aquelas que requisitarem o nosso saber e a
nossa intenção. Nelas crescerão as primícias de nossos gestos e cada ciclo
vegetativo cumprirá as vantagens do querer e da memória do desejo.
O que se deseja realizar-se-á nos gestos
anunciados e pronunciados no silêncio que identifica todos os nossos
propósitos.
Augusto Mota, texto 20 de «A Geografia do Prazer», 1998
Belíssimo !
ResponderEliminarUm grande abraço.
Júlia Ribeiro