quinta-feira, 7 de março de 2013

O Artifício da Loucura

SEGUNDA   APÓSTROFE   DAS     MÃOS

 Tudo está subitamente certo. Tudo.

Mesmo o próprio tempo é certo na sua fria objectividade de separar. É que assim, e paradoxalmente, ele quase parece aquecer e desvendar.  Sobretudo faz-nos encontrar sobre as nossas próprias silhuetas interiores e a simbologia secular da própria civilização.

A mão erguida é sempre diferenciação e contacto! Verticalizando-se, ela apostrofa-se e define-se. Nessa altura, porém, é já a mão da nossa consciência abrindo-se para os outros, por nossa via e vontade. Recalcar  este gesto é suportar uma involução de sentimentos que, ficando a arder no seio da própria cidade, regressam aos pés e queimam e torturam e paralisam.

O caminhar pelas ruas e o não caminhar pelas ruas  (mas progredindo sempre em nossa secreta esperança) fica-se num lazer que chegamos a aceitar por raiva de nós. Depois vem a paralisia total em toda a substância que nos define. A carne e o espírito ultrapassam o limite dos pés e entregam-se à verminação da terra. 

É a morte implantada em nossa própria habitação. Se reagimos é já em seu favor e por aceitação tácita da negação de tudo.

Tristes estas cidades volvidas cemitérios de nossas ânsias! Pobres de nós, cruzes que somos em todas as praças do nosso público existir! Amanhã triplicará a finados pela fria objectividade desta separação.

Não, nada está subitamente certo. Nada.
 
 
Augusto Mota, texto 3 de «O Artifício da Loucura», 1962 a 1964
 
 
- Discorrências sobre o nosso próprio limite. 

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