Tudo está subitamente certo. Tudo.
Mesmo o próprio tempo é certo na
sua fria objectividade de separar. É que assim, e paradoxalmente, ele quase
parece aquecer e desvendar. Sobretudo
faz-nos encontrar sobre as nossas próprias silhuetas interiores e a simbologia
secular da própria civilização.
A mão erguida é sempre
diferenciação e contacto! Verticalizando-se, ela apostrofa-se e define-se.
Nessa altura, porém, é já a mão da nossa consciência abrindo-se para os outros,
por nossa via e vontade. Recalcar este
gesto é suportar uma involução de sentimentos que, ficando a arder no seio da
própria cidade, regressam aos pés e queimam e torturam e paralisam.
O caminhar pelas ruas e o não
caminhar pelas ruas (mas progredindo
sempre em nossa secreta esperança) fica-se num lazer que chegamos a aceitar por
raiva de nós. Depois vem a paralisia total em toda a substância que nos define.
A carne e o espírito ultrapassam o limite dos pés e entregam-se à verminação da
terra.
É a morte implantada em nossa
própria habitação. Se reagimos é já em seu favor e por aceitação tácita da
negação de tudo.
Tristes estas cidades volvidas
cemitérios de nossas ânsias! Pobres de nós, cruzes que somos em todas as praças
do nosso público existir! Amanhã triplicará a finados pela fria objectividade
desta separação.
Não, nada está subitamente certo. Nada.
Augusto Mota, texto 3 de «O Artifício da Loucura», 1962 a 1964
- Discorrências sobre o nosso próprio limite.
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