A ÁRVORE DOS SONHOS
Por prazer do sonho adormeço sob o cansaço
da viagem da véspera e revejo os frutos que já repousam em minhas mãos. Todo o
pomar de nossas intenções se abre às carícias do vento fresco e brando que
murmura novos desígnios para futuras colheitas.
Continuo pelas margens do sono e do sonho
e sorvo cada uma das sementes carnosas que tais frutos me oferecem em sua rósea
aparência. São romãs, por certo, pois vejo-me a descansar os olhos na frescura
da sua polpa, como se estivesse a preparar os ingredientes de uma bebida
requintada. Ou de um tónico para todos os males que definham as noites e se
atravessam nas paisagens agrestes de alguns sonhos opressivos.
Que estranho é este laboratório do sonho
quando fazemos o jogo dos pequenos prazeres e deixamos que tudo aconteça e seja
retribuído em oferenda simbólica! Por isso os frutos são intenções e cada
árvore a sagração do nosso existir. Por isso temos de colher tanto fruto para
armazenar a memória deles em nossas mãos e descrever cada gesto como louvor e
pacificação. É que a paz, a nossa e a dos outros, se define e é aceite quando
tudo está bem conjugado na gramática dos nossos verbos particulares. De outro
modo definharão as sensações já antecipadas com tanto prazer e o sonho não
passará de angústia adiada, de criação subvertida, de vigília atormentada.
Vamos, pois, adormecer sabiamente e
desejar que no pomar dos sonhos frutifiquem as romãs e as intenções que
alimentarão o exercício dos dias.
Augusto Mota, texto 19 de «A Geografia do Prazer», 1998
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