A ARTICULAÇÃO DOS DIAS
A ondulação forte que as mãos sentiram no
início deste concerto arrasta-se, agora silenciosamente, pelo areal de nossos
olhos, enquanto a névoa ao longe vai escondendo, envergonhada, toda esta
harmoniosa sensação de estar vivo no coração e na boca e no agir e no viver.
Por isso quando tudo se harmoniza em nosso pensar, as horas e os dias são uma
doce recordação que gostaríamos de viver não só junto ao mar, mas também no
mais alto do monte, para de lá avistar o cabo do mundo e todas as cidades que
povoámos de ruas e de passos em volta dessas ruas.
Tanta memória das coisas faz girar a
paisagem em torno de nós como se fôssemos o centro do universo. Tudo rodopia
cada vez mais à nossa volta, até que, exaustos, acenamos ao tempo que já passou
e despedimo-nos de nós e da harmonia que a natureza e o silêncio provocaram em
nossos gestos.
Os gestos são sempre a ilustração do
silêncio que as palavras não sabem articular. Que outra e nova medicina saberá
curar este tempo de lazer e desejo?
Augusto Mota, texto 16 de «A Geografia do Prazer», 1998
Levam peso, estes textos. O peso que tornam insones noites que se queriam de repouso da alma. São a vivência dos tempos de hoje e hoje é o nosso futuro.
ResponderEliminar