DA CRIAÇÃO COMO ADVERTÊNCIA
Em qualquer atitude de criação há sempre algo que fica
destruído. É, porém, na consciência dessa destruição que reside um prazer novo,
um imaginar de reacções que, por vezes, não se concretizam, uma satisfação de
criança má cujo primeiro e grande interesse é destruir por destruir.
Mas se a maldade é, quando muito, um prazer
subvertido para os outros, temos, ao menos, que contemporizar com o prazer só,
nunca com as consequências desse prazer. Essas são, por vezes, demasiado
irremediáveis para as tolerarmos um minuto que seja. Assim urge que a
satisfação subvertida não ultrapasse a barreira da imaginação criadora, ou
antes, destruidora, já que todo e qualquer acto de criação implica sempre outro
que se lhe opõe e o antecede no tempo – a destruição. A destruição é, portanto,
em sua origem e considerada moralmente admissível, um primeiro passo para a
criação.
Outrossim urge que saibamos medir todas as consequências
de nossos actos e deles usufruamos aquele estado de satisfação plena que nos identifica com a destruição e a
criação. Ambas terão de ser demasiado
conscientes e integradas num plano de vida socialmente proveitoso.
Destruir, negar, recusar por simples e sádico prazer
é posição demasiado cómoda para nela divisarmos uma ponta de verdade. Esta
nunca se confude com atitudes e gestos teatrais. Nem ainda com a intoxicável
sabedoria dos deuses que tudo desprezam. O seu culto, porém, nem a hoje
subsiste. Assim estaremos mais descansados quanto a amanhã.
Sempre amanhã
foi uma palavra adiada para tudo o que desejamos hoje. Melhor seria que o abuso
desse desejo não disfarçasse o vocábulo num futuro remoto, para lhe saborearmos
já a advertência.
Augusto Mota, texto 7 de «O Artifício da Loucura», 1962 a 1964
- Discorrências sobre o nosso próprio limite.
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